Por que o audiovisual brasileiro pede socorro?
- Guto Aeraphe
- 28 de ago.
- 3 min de leitura

Acabo de ler uma análise precisa e, infelizmente, dolorosa no portal Tela VIVA, e a reflexão que fica é urgente. O título da matéria já diz tudo: "O inferno das políticas audiovisuais brasileiras está cheio de talentos e de boas intenções". E, como alguém que dedica a vida a contar histórias há mais de 25 anos, afirmo: talento e boas intenções não pagam as contas, não tiram projetos do papel e, muito menos, constroem uma indústria sustentável.
É um paradoxo amargo. Celebramos, com razão, os filmes brasileiros que brilham em festivais internacionais. Eu mesmo já tive a honra de ver minhas produções, como "Heróis" e "ApocalipZe", serem premiadas lá fora. Mas de que adianta aplaudir o pódio se a pista de corrida está esburacada e sem manutenção? Como podemos falar em futuro se o presente está paralisado por uma ineficiência que beira o inacreditável?
A matéria do Tela VIVA aponta o dedo para a ferida aberta: R$ 1,2 bilhão do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) de 2024 que, até agora, não chegaram a quem de direito. Não estamos falando de falta de recursos, mas de uma falha gritante de gestão. Para nós, produtores independentes, especialmente para quem, como eu, constrói sua jornada a partir de Minas Gerais, longe do eixo tradicional, essa paralisia é ainda mais devastadora. Ela sufoca a descentralização, penaliza a diversidade de vozes e transforma a promessa de um audiovisual mais plural em uma miragem.
O que me parece mais grave é a desconexão entre o discurso e a prática. Discutimos com afinco a regulamentação do streaming para garantir recursos futuros – uma pauta importantíssima, sem dúvida –, mas tropeçamos em uma incapacidade crônica de executar o presente. O mercado não espera. O público, o "webespectador", já consome conteúdo em novos formatos, em novas telas, com uma nova velocidade. Na CMK Filmes, desenvolvemos a metodologia Lean Film Design justamente para responder a essa agilidade, para transformar ideias em projetos viáveis e conectados com a realidade. Como podemos inovar na criação se as políticas que deveriam nos fomentar estão presas a um modelo lento, burocrático e desalinhado com as demandas do agora? Vou replicar aqui 10 questões que foram colocadas na matéria que eu acho relevantes apra a discussão: 1. Cronograma de investimentos anuais com previsibilidade na publicação dos editais e na liberação dos recursos.
2. Ampliação de linhas de investimento e/ou editais que contemplem especificamente os gêneros documentário, animação, ficção e conteúdo infantil, com chamadas regulares. Ao misturar tudo, perde-se o potencial de estimular cada gênero em suas especificidades.
3. Linhas exclusivas focadas em desenvolvimento de conteúdos e roteiro. Não existe indústria forte e competitiva sem investimento em pesquisa e desenvolvimento.
4. Abandono da classificação de nível como métrica dos editais do FSA. Há inúmeras outras formas de avaliar capacidade técnica e gerencial, potencial artístico/econômico e histórico dos proponentes.
5. Editais e linhas exclusivas para novos realizadores e produtoras entrantes. Misturar numa mesma seleção produtoras atuantes com as milhares de produtoras entrantes é um desserviço ao audiovisual brasileiro e, principalmente, às produtoras e realizadores iniciantes, pela sua importância para o futuro do audiovisual brasileiro.
6. Regionalizar é fundamental, mas com solidez e respeito aos mercados consolidados. É preciso retomar a cota CONNE do FSA para 30% e garantir cota mínima de 45% para Rio de Janeiro e São Paulo, que estão ao sabor da livre concorrência na chamada "cota nacional", sendo que representam em torno de 60% do mercado.
7. A política de equidade de gênero apresenta-se completamente ineficaz. É preciso transformar os critérios da cota indutora focando os investimentos apenas em filmes e séries dirigidos ou roteirizados exclusivamente por mulheres.
8. É preciso retomar linhas de investimento em conteúdos de inovação de linguagem, semelhante ao que era praticado no PRODECINE 5.
9. É preciso estabelecer linhas de investimento com foco na distribuição e difusão de obras pequenas e médias em múltiplas janelas. O modelo atual não tem qualquer olhar para canais super brasileiros (Cabeqs), distribuidoras, festivais de cinema, canais de streaming independentes brasileiros, circuitos alternativos e de impacto.
10. Faltam linhas de investimento com foco em coprodução inter-regional com co-financiamento — importante vetor de colaboração, potencialização de recursos e desenvolvimento coletivo.
A questão, portanto, não é apenas liberar o dinheiro. É preciso repensar o sistema. Precisamos de políticas que sejam tão ágeis, inteligentes e estratégicas quanto os criadores que elas se propõem a apoiar. Precisamos de menos "boas intenções" e mais execução competente.
O talento brasileiro é inegável. As histórias que queremos contar são urgentes e poderosas. Mas para que uma história possa mudar o mundo, primeiro, ela precisa ser contada. E, para isso, precisamos de um ecossistema que funcione. Agora.
(Leia a matéria completa no link)

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