Os pactos entre a narrativa e o espectador
- Guto Aeraphe
- há 2 dias
- 3 min de leitura

Desde tempos imemoriais, contar histórias tem sido uma forma essencial de transmitir conhecimento, valores e cultura. Seja por meio das histórias ao redor da fogueira nas tribos ancestrais, passando pelos épicos narrados por poetas como Homero, chegando até aos meios digitais, a humanidade sempre se engajou em um pacto implícito entre o contador de histórias e o seu público. Esse pacto estabelece uma relação de confiança e cumplicidade, onde o público se dispõe se envolver de alguma maneira com a narrativa apresentada.
Primeiro Pacto - O foco nos conflitos humanos
Quando um personagem em uma história persegue um objetivo – seja salvar o mundo ou encontrar a felicidade pessoal – ele reflete a busca universal do ser humano por propósito e significado. Isso quer dizer que as histórias sempre vão refletir a luta humana contra os desafios e os conflitos presentes no nosso mundo, sejam eles internos, como medos e desejos, ou externos, como obstáculos físicos ou sociais. É essa luta que torna a narrativa relevante e ressonante com o público.
Dessa forma as histórias dão um sentido de continuidade e propósito, oferecendo uma perspectiva mais rica e complexa da existência humana. Faça um teste. Pense em qualquer história que você conhece. Em todas elas, os personagens enfrentam desafios que, por mais absurdos que pareçam, espelham os conflitos que todos nós enfrentamos na vida real.
Segundo Pacto - Aceitando o impossível como provável
Outro elemento crucial do pacto é a verossimilhança. Mesmo quando uma história apresenta eventos ou elementos que são claramente impossíveis no mundo real – como dragões voadores ou viagens no tempo – ela deve manter uma coerência interna que faça esses elementos parecerem possíveis dentro do seu próprio contexto. Essa aceitação do impossível como provável é o que permite ao público se engajar plenamente com a narrativa, suspendendo a descrença e mergulhando na história.
Por exemplo, em um filme de ficção científica, as tecnologias futurísticas precisam seguir uma lógica interna que as torne plausíveis no universo da história. Se as regras desse universo são quebradas sem justificativa, o público perde a confiança e o envolvimento com a narrativa se rompe.
Terceiro Pacto - A relação com a cultura
Finalmente, toda narrativa é profundamente influenciada pela cultura na qual é criada. Os objetivos, valores e conflitos refletidos nas histórias são moldados pelos referenciais do mundo ao redor. Por exemplo, as histórias de heróis na mitologia grega são diferentes das sagas vikings, que por sua vez diferem dos contos folclóricos africanos. Cada uma dessas tradições narrativas reflete os valores, medos e aspirações de suas respectivas culturas. Quando assistimos ou lemos essas histórias, estamos não apenas consumindo entretenimento, mas também absorvendo e refletindo sobre a cultura que as produziu.
O pacto entre a narrativa e o espectador é um acordo de confiança, empatia e compreensão mútua. As histórias nos ajudam a entender melhor nossa própria existência, oferecendo um espelho para nossos conflitos internos e externos, nossos objetivos e aspirações, e a cultura na qual vivemos. Ao aceitar a verossimilhança e mergulhar na jornada dos personagens, os espectadores encontram sentido e propósito, reforçando a ideia de que a vida é uma jornada contínua em busca de realização e significado.
Ao acompanhar essas jornadas, os espectadores não apenas se entretêm, mas também encontram paralelos com suas próprias vidas, ganhando até mesmo inspiração para superar seus próprios desafios.


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